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FGTS: Uso para quitação/amortização de financiamento imobiliário firmado fora do Sistema Financeiro de Habitação (SFH)

Por Murilo Galeote.
 
A classe média brasileira, apesar de todos os seus desafios, continua valendo-se do financiamento imobiliário como instrumento para aquisição da tão sonhada casa própria.

Segundo dados da Câmara Brasileira da Indústria de Construção – CBIC, somente entre janeiro a março de 2018, considerando todos os entes da federação, foram firmados financiamentos para aquisição e construção de imóveis na invejável marca de R$ 11.285.702.897,00. Trata-se de expressiva quantia, que beneficia uma quantidade incrível de famílias.

Ora, qual a relação do dado estatístico com o FGTS?

Remonta ao ano de 1966 a criação do FGTS. À época, tratava-se de sistema alternativo ao indenizatório e estabilitário da CLT, submetendo-se a uma única opção por escrito do trabalhador, no início do contrato de trabalho.

Com a sobrevinda da Constituição Federal de 1988 (art. 7º, inciso III), passou a ser direito de todos os trabalhadores urbanos e rurais a manutenção de conta vinculada ao supracitado fundo.

Atualmente, o FGTS é disciplinado pela Lei Federal n.° 8.036/1990, ficando sob a incumbência da CEF a função de agente operadora e do Conselho Curador do FGTS a atribuição para a fixação da forma/parâmetros de uso dos recursos e de sua respectiva remuneração.

O FGTS, portanto, é um verdadeiro direito fundamental social de todo trabalhador. Trata-se de “poupança compulsória” constituída em seu nome que serve não apenas para garantir o cidadão na hipótese de rescisão do contrato de trabalho como também, notadamente entre 1994 a 2017, para diversos outros fins. Trata-se, sem nenhum esforço interpretativo, de manifestação efetiva do patrimônio do trabalhador.

Sinteticamente, é possível condensar as possíveis hipóteses de uso dos valores disponíveis em conta nas seguintes (artigo 20 da Lei n.° 8.036/1990): (i) situações de rescisão do contrato de trabalho com ou sem justa causa; (ii) falecimento do titular da conta; (iii) aquisição da casa própria, seja via aquisição direta, seja para a quitação, total ou parcial, de financiamento imobiliário; (iv) graves problemas de saúde do trabalhador e/ou de sua família; (v) quanto o trabalhador atingir idade igual ou superior a 70 anos, e; (vi) para o trabalhador com deficiência, na hipótese de aquisição de órtese ou prótese para promoção de acessibilidade e de inclusão social.

Em suma, o legislador infraconstitucional, atendendo aos anseios da Constituição Federal, ao longo dos anos, transformou o FGTS em uma verdadeira “conta social”, no sentido de permitir seu uso para a concretização dos direitos fundamentais e sociais mais importantes, a saber: (i) a dignidade da pessoa humana; (ii) o amparo à família; (iii) o direito à moradia; (iv) a dignidade na velhice; (v) o amparo às pessoas com deficiência, dentre outros.

Em tom de conclusão preliminar, resta caracterizada a natureza social (cada vez mais) das hipóteses de uso dos valores depositados nas contas vinculadas ao FGTS. Trata-se, sem sombra de dúvidas, de importantíssima conquista de todos os cidadãos.

Contudo, o objetivo do presente artigo é tratar, precisamente, das hipóteses de uso do saldo disponível para amortização e/ou quitação de financiamentos imobiliários de qualquer tipo e valor, ou seja, daqueles celebrados fora do Sistema Financeiro de Habitação, envolvendo imóveis cujo valor supera a casa dos R$ 950.000,00.

De plano, portanto, curial o destaque da norma que rege a questão:
 
Art. 20. A conta vinculada do trabalho do FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:
(...)
VI – liquidação ou amortização extraordinária do saldo devedor de financiamento imobiliário, observadas as condições estabelecidas pelo Conselho Curador, dentre elas a de que o financiamento seja do SFH e haja interstício mínimo de 2 (dois) anos para cada movimentação.
VII – pagamento total ou parcial do preço de aquisição de moradia própria, ou lote urbanizado de interesse social não construído, observadas as seguintes condições:
a)     O mutuário deverá contar com o mínimo de 3 (três) anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou empresas diferentes;
b)    Seja a operação financiável nas condições vigentes para o SFH.

A prescrição normativa destacada é bastante clara ao permitir que o trabalhador titular de conta do FGTS possa utilizar, dentre outras hipóteses, os valores presentes no fundo para:
 
a)     Quitar e/ou amortizar de forma extraordinária saldo devedor de financiamento imobiliário;

b)     Desde que o financiamento seja celebrado no âmbito do SFH;

c)     Deve haver um prazo mínimo de 2 (dois) anos para que nova movimentação seja feita na conta para o mesmo fim.

A questão é: existe fundamento jurídico-constitucional para autorizar a limitação do uso do saldo do FGTS para quitar e/ou amortizar apenas financiamentos celebrados no âmbito do SFH? O qual, sabe-se, dificilmente contemplará imóveis situados nas capitais das principais cidades do país.

Entendo que não. 

Repita-se, no momento da aquisição de um imóvel, muitos brasileiros, seja pela ausência de recursos financeiros imediatos para a quitação total do preço, seja também pela queda proporcional dos juros, optam pela contratação de financiamento imobiliário para concretização das operações de venda e compra de imóveis. Em última análise, o uso do financiamento imobiliário acaba sendo a única forma possível para aquisição da sonhada casa própria, especialmente nas grandes cidades, em que os preços dos imóveis, facilmente, superam a casa do milhão de reais.

A ampliação do acesso ao financiamento imobiliário, na última década, contudo, não implicou, como se esperava, na efetiva redução dos juros, tornando, assim, bastante custosa a manutenção em dia das parcelas mensais.

Em adição, na forma da legislação de regência, não se pode esquecer que o inadimplemento das parcelas pode ensejar, até mesmo, a perda do imóvel, ou seja, a perda da residência familiar.

Nessa linha, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos Tribunais Regionais Federais, examinando a questão e cientes de que o financiamento imobiliário é uma mola propulsora da garantia constitucional à moradia e da natureza exemplificativa do rol do artigo 20 da Lei Federal 8.036/1990, passaram a admitir o uso do saldo do FGTS para amortização e/ou quitação de financiamentos celebrados fora do SFH. Vide precedente oriundo do STJ:
 
(...) A interpretação do art. 20 da Lei n.° 8.036/1990 deve ser extensiva, de modo a alcançar uma das diversas finalidades sociais do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS (...) Ademais, na linha de diversos precedentes deste Sodalício, resta pacífico que, em casos excepcionais, é perfeitamente viável a utilização do saldo da conta do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço para a aquisição de moradia, mesmo que à margem do SFH e ainda que o mutuário se encontre em situação de inadimplemento, pois além de solucionar o problema habitacional do trabalhador, se coaduna com a finalidade social do referido Fundo. (STJ, REsp 716.183, Rel. Min. José Delgado, trecho do voto)

No mesmo sentido caminha a jurisprudência do Tribunal Regional da Terceira Região. Vide exemplo:
 
(...) MANDADO DE SEGURANÇA. UTILIZAÇÃO DE SALDO DO FGTS PARA PAGAMENTO DE PRESTAÇÕES DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO CONTRAÍDO FORA DO SFH. POSSIBILIDADE. (...) Ainda que o valor do imóvel ultrapasse o limite do Sistema Financeiro de Habitação, deve-se em cumprimento à finalidade social do FGTS, ser assegurado ao fundista o seu direito à moradia, conferindo-se, desse modo, efetividade ao princípio da dignidade humana. (TRF3, Rel. Des. Luiz Stefanini, Agravo Legal no Agravo de Instrumento 0023599-55.2014.4.03.0000)

Em suma, o titular de imóvel adquirido com auxílio de financiamento imobiliário, considerando, de um lado, a baixa rentabilidade da “aplicação” dos valores depositados em sua conta vinculada do FGTS e, por outro,  os ainda elevados juros que remuneram o financiamento, deve se valer do entendimento dos Tribunais para melhor gerir suas finanças e patrimônio, utilizando os recursos disponíveis em sua conta vinculada para amortizar e/ou quitar financiamentos imobiliários, mesmo que firmados fora do SFH.
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